[ARENA] Actualização do podcast "Conversas Freudianas"

Diniz Cayolla Ribeiro dinizchess gmail.com
Terça-Feira, 16 de Fevereiro de 2010 - 23:39:29 WET


Caros membros do Arena

Gravámos esta noite uma nova conversa freudiana (http://web.me.com/machess/Conversas_freudianas/Podcast/Podcast.html) a propósito do sonho e de tudo o que isto implica em termos freudianos.
Por outro lado, o Zé Gabriel escreveu nas "Conversas Freudianas" do Facebook um comentário à crítica que Francisco Ferreira publicou no Expresso a propósito do filme "Antichrist" de Lars von Trier. Para aqueles que não têm Facebook, e eventualmente estejam interessados nesta discussão, coloco aqui o dito comentário. E ficamos evidentemente à espera que o citado crítico exerça o seu direito de resposta.
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«De como a seriedade de um filme como o Anti-Christo deixa a nu as 
insuficiências da crítica normótica»

Como sempre que um mesmo estímulo promove uma extrema diversidade de 
respostas, isso permite evidenciar as limitações e as fundações ideológicas 
daqueles que reajem. Permite, também, criar um ranking e uma tipologia 
dessas reacções, com ganhos antropológicos, teóricos e práticos, evidentes.

No caso do Anti-Christo, de Lars von Trier, temos, em Lisboa:

Francisco Ferreira (Expresso) - uma bola negra (negativo)
Mário J. Torres (Público) - uma bola negra (negativo)

Jorge Mourinha (Púlico) - uma positiva em cinco (sofrível)
Luis M. Oliveira (Público) - uma positiva em cinco (sofrível)
Vasco Câmara (Público) - uma positiva em cinco (sofrível)
V. Baptista Marques (Expresso) - uma positiva em cinco (sofrível)

J.Leitão Ramos - (Expresso) - quatro em cinco (muito bom)

Será difícil encontrar um exemplo de maior diversidade avaliativa, para um 
filme que o seu autor, repetidamente premiado, considerou o seu melhor filme.

Trata-se de um caso exemplar de filmicídio pela «crítica». Vimos, em tempos, 
tentativas ideológicas equivalentes, do salazarismo ao comunismo, à Igreja 
Católica e ao Islão, mas o que interessa aqui é a tentativa de liquidação de 
um filme «fora de série» por quem não fez nenhum e se propõe formar a 
a «opinião pública». Para um filme que não alinha no entretenimento, na 
onirização «avatariana» ou no «realismo histórico exemplarista» 
de «Invictus», esta avaliação promove salas vazias e orienta para uma 
retirada precoce de exibição. As grandes distribuidoras só têm a agradecer.

A tipologia que proponho distingue entre «críticos de cinema» (aqui, apenas 
um caso, o de J. Leitão Ramos) e «colunistas sociofílicos», em busca de um 
alinhamento popular de sucesso fácil, promotores da produção de um «senso 
comum» mediano, alinhado por baixo, que a «índústria» por certo agradece.

Nos colunistas sociofílicos, apenas há dois graus - o menos um e o mais um: 
os «rejeitantes drásticos» e os «rejeitantes moderados».

O vazio entre estes e o «mais 4» (filmofílico prudente»), deixando vazias as 
casas intermédias da grelha classificatória, mostra a seriedade de um filme 
capaz de «separar as águas» entre quem usa o cinema para ganhar a vida e 
quem serve o cinema como projecto antropológico arriscado.

Vejamos a «justificação» desta tentativa de liquidação não apenas de um 
filme mas, caso mais drástico, de um cineasta de vanguarda, por Francisco 
Ferreira, não só «crítico de cinema» mas, mais do que isso, coordenador da 
página de cinema do destacável cultural do «Expresso»:

«Tudo o que está em causa neste filme relaciona-se com o que é intolerável 
na imagem - e a verdadeira discussão não pode deixar de passar por aqui. Mas 
aquilo que de mais penoso se vê em "Anti-Christ - Anticristo", que traz selo 
de dedicação a Tarkovski numa afronta injusta e ignóbil, nem merece ser 
nomeado. Seria dar atenção a um cineasta que, de tanto querê-la já provou 
estar disposto a tratar a espécie humana como os nazis a trataram em 
Auschwitz. De resto - já o escrevemos há mais de dez anos, numa altura em 
que o dinamarquês e o seu "manifesto Dogma" eram transformados pela crítica 
em coqueluche europeia -, Trier é muito menos um cineasta do que um caso 
clínico de psiquiatria. Voltamos ao intolerável: que imagens são aquelas, ao 
ponto de parecer que o filme só existe para elas' A quem se destina aquele 
espectáculo insuportável, a que representação da realidade, a que política, 
com que objectivo que não seja o do escândalo?" F.F.

Como se vê, F.F. é um«críitico» intolerante, narcisista, pretencioso e 
autoritário. Ele é que sabe dizer o que é «tudo o que está em causa neste 
filme» e impor qual é a «verdadeira discussão» que «não pode deixar de 
passar por aqui», por onde ele pretende que passe. Ele é que define o que é 
uma «afronta injusta e ignóbil a Tarkovski». Ele é que já denunciou, «há 
mais de dez anos» o cineasta como «um caso clínico de psiquiatria» e agora 
se vem gabar da sua superioridade na antecipação de evidências deste 
calibre. F.F. inova e antecipa tempos vindouros. Temos uma nova função para 
a elite da crítica de cinema: fazer diagnósticos psiquiátricos, mandar 
internar os casos clínicos (e aqui identifica-se com o psiquiatra do filme, 
que afundada a mãe deprimida numa «cura do sono» por tempo indefinido) e 
promover filmes normalizados, ao serviço de realidades e políticas que 
aprove e isentos de «escândalo» (como a Inquisição realizou durante séculos, 
em Portugal com o sucesso e conivência que se conhece).

Acusando Lars von Trier de ser um cineasta (ou menos que isso, como vimos) 
que «já provou estar disposto a tratar a espécie humana como os nazis a 
trataram em Auschwitz», F.F. acusa sem provar o que quer que seja, não dá um 
único exemplo, uma qualquer referência ou argumento, para além da sua 
evidência de Normopata que pretende eliminar o que, para a sua intolerância 
emocionada (e mais em geral, para a dos normopatas para cuja cumplicidade 
pisca o olho, já que sabe que, por definição, apela para a maioria dos 
espectadores) é «penoso» , «insuportável» e «intolerável na imagem» que 
provoca o (seu) «escândalo». Como sempre, a abundância de adjectivos 
punitivos mostra a carência de substância das atribuições.

A acusação de «caso clínico de psiquiatria» tem sido historicamente usada 
pelos poderes quando se querem ver livres de «dissidentes» de uma 
qualquer «normalidade» que se deseja impor com recurso ao senso comum, ao 
partido ou à polícia política. Não se trata apenas de um filmicídio mas de 
um cineasticídio. Se dessem ouvidos na Europa a F.F. (que não parte, que se 
saiba, de qualquer competência na área do diagnóstico clínico), Lars von 
Trier teria sido impedido de continuar a filmar e seria internado à força 
num hospital psiquiátrico.

Apelando para uma normose colectiva, F.F apenas pretende rasurar e 
apagar «certas» imagens «intoleráveis», mutilar um filme e calar um 
cineasta. Percebe-se bem o seu inconsciente ansioso, uma vez que o Anti-
Cristo expõe a ansiedade e a vontade de mutilar e de matar que se move nos 
subterrâneos da «normalidade amorosa», o que o põe fora de si. Teria 
certamente sucesso no Estado Novo, actuando como um Bufo deste «crime» que 
pretende delatar ou como um Censor de lápis azul.

Como censor, F.F. não diz de que fala, a que imagens e escândalo se refere.
Claro que o Anti-Christo é um filme para adultos que não chamam «escândalo» 
a realidades, fantasias, ideologias históricas e fantasmas que adultos 
conhecem e não varrem para baixo do sofá, por mais desagradáveis que sejam. 
O recalcamento, a escotomização e a racionalização não melhoram o mundo, 
apenas o oprimem e reprimem.

Face a uma alegoria, F.F. quereria uma «representação da realidade» 
normótica ou meramente sociológica, como no «Laço Branco», a que dá «quatro 
estrelas»?

Face à apresentação das contradições antropológicas da modernidade tardia 
(pensada à maneira de Giddens), em que o cognitivismo behaviorista do marido 
psicoterapêuta interrompe o sono farmacológico do psiquiatra organicista 
para continuadamente recalcar a análise freudiana da vida onírica, que a 
mulher desejaria, mas que psiquiatras e cognitivistas pós-modernos enviaram 
para o Inferno da sua Ciência repressiva, F.F. diz nada, uma vez que ou não 
percebe a questão ou está do lado dominante da nova modernidade.

Face à articulação do ginocídio inquisitorial com a tortura do erotismo 
conjugal, uma vez desarticulada a sua superfície aparentemente «normal» e 
provocada a regressão para as suas dimensões «diabólicas», num mundo que se 
quer regularizar e normalizar como secular e feminista, livre das «trevas» 
do paganismo, do clericalismo e do analfabetismo, expondo a evidência 
vexatória de que o «progreso civilizacional» não é uma função do progresso 
tecnológico e continua a rebentar no subsolo da guerra dos sexos, a que 
Ibsen e Bergman não viraram a cara, F.F. diz nada. A sua capacidade 
analítica é tão escassa quanto grandiosa é a sua oratória condenatória, que 
nenhum Grande Inquisidor se esqueceria de aplaudir.

Face à exposição à regressão para a alucinação, num mundo emocionalmente 
insuportado, e face ao concomitante deslizar do erotismo amoroso para o 
sadomasoquismo e para o comportamento psicopático na micro-escala da 
intimidade e sociopático na macro-escala das ideologias, F.F. prescreve o 
internamento hospitalar das «excepções», visto desconhecer estas realidades 
quotidianas, no fantasma e na acção sociopática. Em vez de dialogar, 
analisar e problematizar, diagnostica e elimina como pode do seu pequeno 
mundo cinéfilo aquilo que manifestamente o ultrapassa a ele, uma autoridade 
na matéria.

Sintetizando, F.F. deixa a nu como a exposição fílmica das dimensões mais 
extremadas da guerra dos sexos pode levar à exposição jornalística da guerra 
dos cineastas e da guerra dos críticos de cinema. E mostra bem como o apelo 
desesperado às maiorias morais, normalizadoras e normalizadas, por parte de 
um crítico normótico, recorre sem pejo às ferramentas sociopáticas da 
tentativa de liquidação soft de um cineasta que vê o mundo vivido como 
dramático e problemático, para se salientar numa corte de aparências que 
optou jornalisticamente pela «cultura Avatar». JGP Bastos
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Diniz Cayolla Ribeiro
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