<html><head></head><body style="word-wrap: break-word; -webkit-nbsp-mode: space; -webkit-line-break: after-white-space; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; ">Caro André,</span><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Permite-me que te 'apresente' o Luís Fernandes, uma das pessoas mais extraordinárias que tive a sorte de conhecer ao longo da vida.</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Conhecemo-nos há cerca de 20 anos atrás, numa noite de segunda-feira de poesia, nas célebres sessões de poesia no Pinguim café (Porto), dinamizadas pelo (já falecido) Joaquim Castro Caldas. O Luís estava lá porque amava (e ainda ama) a poesia; eu estava lá porque na altura era actor de teatro e adorava (ainda gosto, mas já pratico pouco) dizer poesia. Havia ainda outro aspecto que nos juntava, tal como o próprio Luís mais tarde me disse: ele era licenciado em Psicologia, mas as suas investigações levaram-no para o campo da antropologia; eu estava a licenciar-me em antropologia, mas os meus interesses e indagações estavam a conduzir-me para o campo da psicologia em geral, ou mais particularmente para a área específica da psicanálise.</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">De facto, a etnografia tinha sido a metodologia escolhida pelo Luís para fazer as suas investigações no campo dos "territórios psicotrópicos", conceito que ele próprio cunhou. Cansado da' patologização' que a psicologia 'mainstream' usava como paradigma de investigação no campo das drogas, decidiu experimentar outras formas de observação mais 'participantes' que foi buscar ao Bronislaw Malinowski, 'pai' da etnografia moderna, e à Escola Sociológica de Chicago, que tanto relevância teve no campo da Antropologia Urbana. Noutros termos, optou por realizar uma 'observação participante' nos territórios onde as drogas ('leves' e 'duras') eram traficadas e consumidas, procurando desta forma compreender o fenómeno por 'dentro'. Inicialmente começou a 'parar' na Ribeira, que na altura era um dos centros do fenómeno, a conviver com os actores desta narrativa, a ganhar a sua confiança; e, mais tarde, foi mesmo viver para um desses bairros problemáticos do Porto, que tem a particularidade de ter uma extraordinária vista sobre o Foz do Douro; alugou lá uma casa e viveu o fenómeno de perto durante alguns anos. Como resultado de tudo isto, escreveu uma tese de mestrado sobre os "pós-modernos", uma tese de doutoramento sobre "os sítios das drogas" e publicou inúmeros artigos sobre este assunto ao longo dos últimos 20 anos. Para além do mais, criou na Faculdade do Psicologia do Porto uma "outra" forma de abordar e pensar o fenómeno das drogas, e cimentou esta aproximação dos fenómenos desviantes em geral através da docência e das orientações de teses. Em suma, transformou-se num investigador muito respeitado na sua área, tanto ao nível nacional como internacional.</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Para além deste percurso poético e 'desviante' que respeito e admiro, existe ainda na história de vida do Luís um outro episódio que fez com que a minha admiração por ele se tornasse ainda maior. Ao longo de todo este percurso, o Luís foi cegando, no sentido literal do termo. Primeiro, foi um deslocamento de retina irreversível que o deixou só a ver de um olho; depois foram vários problemas no outro olho que fizeram com que ele fosse progressivamente perdendo a visão, até ficar praticamente cego. Actualmente, o Luís ainda percebe a presença ou ausência de luz, mas já não vê literalmente nada; recorre à ajuda de terceiros ou de uma bengala para se movimentar, 'lê" áudiolivros da biblioteca sonora de Gaia, interage com o computador através de programas sonoros informáticos especialmente desenhados para cegos, e vai realizando as suas varias actividades académicas com a ajuda de 'secretárias" que vai contratando. Curiosamente, estas várias 'assistentes' que ele tem contratado ao longo do tempo para o auxiliar são sempre mulheres muito interessantes, tanto ao nível físico como intelectual, o que mostra que continua a ser uma pessoa com bom gosto, com bom 'olho', e com jeito para 'línguas', seja lá de que nacionalidade forem.</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Brinco com a situação porque aprendi com o Luís a agir deste modo. Este é um outro aspecto que eu acho incrível na sua história de vida. Apesar de ter cegado, o Luís faz humor com isto. Conto-te alguns episódios para perceberes do que estou a falar. Há muitos anos atrás, quando ainda estava a viver e a estudar em Lisboa, convidei o Luís para ir assistir a uma aula de um professor que muito admirava (e que ainda admiro). O Luís, salvo erro, tinha ido a Lisboa dar formação a futuros juízes no CEJ (Centro de Estudos Judiciários), e eu aproveitei a situação para o 'desviar' para os territórios antropológicos da psicanálise. O Luís aceitou o convite, combinámos encontrar-nos à porta da FCSH-UNL, na Avenida de Berna, e no fim o Luís acrescentou: "Diniz, não chegues atrasado, porque senão começam-me a dar moedas". :) Noutra altura, quando escrevia regularmente para o Público, o Luís publicou um artigo intitulado "Deslocamento da Rotina", tirando partido do infortúnio que teve: <a href="http://dir.groups.yahoo.com/group/projecto21/message/411">http://dir.groups.yahoo.com/group/projecto21/message/411</a> . E noutra altura ainda, quando estava em casa dele e um dos seus filhos lhe veio pedir para fazer alguma coisa que ele teve de consentir, lembro-me de ter dito: "estás cheio de sorte; tens um pai porreiro". Resposta de Luís: "o pai não é porreiro, o pai é mas é um cegueta." :)</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Adiante. O Luís é, portanto, uma pessoa muito especial, que tem um percurso muito fora de comum e que nunca foi de baixar os braços. Estou a pensar voltar a convidá-lo para ir novamente a faculdade para falar sobre este assunto do "American Way of Science" Já lá foi várias vezes: uma vez para falar sobre etnografia, outra para discorrer sobre Michel Foucault (o Luís conhece profundamente a sua obra por causa do desvio) e outra ainda para conversar com os alunos de Doutoramento sobre metodologia de investigação científica. Nunca recusou o convite e deu sempre palestras excelentes. Por tudo isto, lembrei-me de o trazer para esta discussão. Ainda que a sua área seja outra, a mercantilização do conhecimento e a aceleração irreflectida da prática científica estão a chegar, a todo o vapor, ao mundo da arte, o que nos coloca a todos inúmeros problemas e faz com que a contribuição do Luís nos possa ser muito útil.</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 17px; ">Caso ele aceite o convite, teremos nessa altura oportunidade de conversar sobre os vários problemas que a hegemonia (no sentido gramsciano) e a 'naturalização' de uma determinada da prática científica levantam. Ainda que não concorde com tudo aquilo que escreveste, achei interessante a forma como leste o texto do Luís. São estas leituras múltiplas que me interessa aqui promover, bem como trazer para a Arena um discussão fundamental que está na ordem do dia. Assim sendo, a bem da discussão, acrescento mais um texto para o debate, desta feita escrito por Diogo Ramada Curto no suplemento "atual" do Expresso, em 5 de Fevereiro de 2011. O texto começa assim:</div><div style="font-size: 17px; "><br></div><div style="font-size: 10px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; ">"As ciências sociais e humanas encontram-se hoje numa condição difícil, não só porque se entrou numa situação em que há uma recessão da teoria mas também porque a universidade tende a responder cada vez mais a critérios económicos e a cristalizar-se em sistemas fechados de autoridade e legitimação, altamente hierarquizados." </span></div><div style="font-size: 10px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; ">O artigo completo está disponível aqui: <a href="http://d.pr/OCxI">http://d.pr/OCxI</a></span></div><div style="font-size: 10px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; "><br></span></div><div style="font-size: 10px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; ">Abraço</span></div><div style="font-size: 10px; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: 17px; "><br></span></div><div style="font-size: 17px; ">DCR</div><div style="font-size: 19px; "><br></div><div><div>A 11/02/2012, às 16:34, André Rangel escreveu:</div><br class="Apple-interchange-newline"><blockquote type="cite"><div style="word-wrap: break-word; -webkit-nbsp-mode: space; -webkit-line-break: after-white-space; ">Tenho um fraquinho por alguns comportamentos desviantes. Será o Luís especialista praticante!?... se calhar já não... mas pela foto (<a href="http://opiniao.porto24.pt/wp-content/authors/luisfernandes-5.jpg">http://opiniao.porto24.pt/wp-content/authors/luisfernandes-5.jpg</a>) parece que ainda manda cenas bem ... desviantes :D<div><br></div><div>Dinis, parece que no texto do Luis existe uma espécie de subtítulo que tu não transcreveste: 'O apelo à internacionalização dos cientistas equivale, na prática, à submissão ao sistema científico anglo-americano'.</div><div><br></div><div>Ao ler o texto do Luis sinto-me um felizardo porque ninguém me dita o que devo investigar. Produzo, investigo e publico o que me apetece, quando me apetece e aonde posso. Ao submeter um trabalho ao 'sistema científico anglo-americano' prefiro pensar que vou utilizar o 'sistema',  tirar partido dele, explorá-lo e se possível mesmo abusar dele. Não balizo nem formato o meu projecto de trabalho por normas do 'sistema' e jamais produzo em função deste. Não é o 'sistema' que espoleta o meu trabalho e investigação.  O meu trabalho existe primeiro fora de qualquer sistema científico e académico. Quando o 'sistema' e a academia têm interesse em utilizar a minha experiência tanto melhor. </div><div><div><br></div><div>Quanto às Ciências Sociais e Humanas dominadas pelo 'Capitão América' é preciso estar alerta. Se é mesmo como o Luís escreve, o melhor é o pessoal da FPCEUP, FPUL e da FPCEUC passar já à acção. O 'Capitão América', a meu ver, é ou faz-se de Capitão mais imbecil do Mundo, e o Luís está cheio de razão (da sua própria razão), mas não podemos desconsiderar totalmente a funcionalidade da língua Inglesa (quantos beijos, ternuras, doçuras e carícias conquistados por se falar Inglês mesmo que mal arranhado).... Porque também é disso que se trata. O Inglês é útil, o Francês também, a precisão do Alemão para descrições técnicas e de procedimentos 'é de gritos'. Inverto a situação e em vez de pensar que merda, que injustiça, tanto 'Inglês' à minha volta, prefiro pensar: porreiro o pouco que sei de Inglês dá cá um jeito para conhecer, gostar e detestar aqueles 'bifes' e o que eles fazem e pensam ...  tomara eu também compreender Mandarim para melhorar o meu Português e me conhecer melhor.</div><div><br></div><div>'nos circuitos virtuais da net, onde o inglês é o veículo'. Parece-me que o Luís não se deu conta que os circuitos da 'net' são reais, tão reais como a rede de água canalizada que lhe permite lavar roupa em casa e que nesses circuitos da 'net' não só Inglês é 'veículo' mas também o Chinês, o Espanhol e ...<a href="http://www.internetworldstats.com/stats7.htm">http://www.internetworldstats.com/stats7.htm</a></div><div><br></div><div>O Luís está certo quando afirma 'porque uma língua não é só um veículo, é um sistema de pensamento, é constitutiva duma cultura.' e eu pergunto não é melhor pensar também noutras línguas, pensar noutras culturas, do que apenas ler traduções!?</div><div>Sem preconceito nem provincianismo, ser Português e pensar em Inglês não significa ver CNN ou NBC, ser cliente do MacDonalds, venerar o Capitão América e acreditar que estudar em Inglaterra ou nos 'States' é mais importante do que estudar na Damaia. Da mesma maneira que pensar em Português não significa beber sopas de cavalo cansado ao pequeno almoço, chupar a sopa dos bigodes e comer farinheiras cruas. Se podemos pensar com mais do que um sistema de pensamento, porque não!? Importante é pensar! e fazer. Ser capaz de pensar noutra(s) língua(s) ou cultura(s) pode (deve) melhorar a nossa (língua e cultura) enquanto sistema de pensamento.</div><div><br></div><div>O Luís afirma que a FCT desvaloriza publicações no Brasil, Espanha, Grécia, ou Polónia. Não sei se isto se passa só nas Ciências Sociais e Humanas. Tinha a ideia que para a FCT publicações sob arbitragem científica têm o mesmo valor independentemente de acontecerem na Turquia, Japão ou Inglaterra. Posso estar errado, se alguém tiver informação sobre este assunto estou curioso.</div><div><br></div><div>O Luís escreve "(...) júri que, por cima e de longe, desfasado da nossa realidade e incapaz de ler, sequer, o melhor da nossa produção porque este não está, as mais das vezes, nas línguas deles?"... estranho que o melhor da nossa produção não seja traduzido para outras línguas.</div><div><br></div><div>Academia, Ciência, Validação Cientifica e Académica, Pontuação, Arbitragem Cientifica, Avaliação, Progressão na Carreira são um conjunto de utilidades, proficientes (utilizando a palavra do Luis) para um conjunto pessoas. Ocorrem-me duas coisas: 'Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele' e uma das formas de tentar mudar o sistema é de dentro do próprio sistema.</div><div><br></div><div>Em conclusão, estou totalmente enganado. Fui inspirado pela fotografia e especialidade do Luís. O seu texto é muito sério. Com todo o respeito pelo Luis Fernandes e pelo seu trabalho a brincar especulo duas hipóteses: Pode ser que o Luís domine melhor o Francês do que o Inglês. Como ele próprio afirma terá havido, a dada altura da sua vida, na sua área de conhecimento, mais produção 'científica' em Francês do que em Inglês. Mas nessa ditadura (da língua), mais confortável o Luís, não se queixou 'parce que le Français est très jolie, je dirai même plus musicale, plus romantique, plus fluide pour les yeux et pour les oreilles';) Hoje, havendo muito mais ruído (cientifico) em Inglês ele fica assim desviado como está na fotografia :) Outra hipótese está ligada ao facto de na adolescência/juventude  sempre se terem feito nas praias portuguesas mais engates em Inglês do que em Francês e isto é de facto uma injustiça para quem escolheu no ciclo preparatório o Francês como primeira língua estrangeira.</div><div><br></div><div>Bonne fin de semaine,</div><div><br></div><div>André</div><div>...</div></div></div></blockquote></div><div apple-content-edited="true"><span class="Apple-style-span" style="border-collapse: separate; color: rgb(0, 0, 0); font-family: Helvetica; font-style: normal; font-variant: normal; font-weight: normal; letter-spacing: normal; line-height: normal; orphans: 2; text-align: auto; text-indent: 0px; text-transform: none; white-space: normal; widows: 2; word-spacing: 0px; -webkit-border-horizontal-spacing: 0px; -webkit-border-vertical-spacing: 0px; -webkit-text-decorations-in-effect: none; -webkit-text-size-adjust: auto; -webkit-text-stroke-width: 0px; font-size: medium; "><br></span>
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