<div class="gmail_quote"><br><span class="Apple-style-span" style="font-family: sans-serif; font-size: 20px; font-weight: bold; "><a href="http://feedproxy.google.com/~r/bitaites/blog/~3/G4ZPDFaXKSg/retrato-do-critico-quando-agora" target="_blank">Retrato do crítico quando agora</a></span><br>

<div style="font-family:sans-serif;overflow:auto;width:100%;margin:0px 10px">
<div style="margin-bottom:0.5em">by Rui Eduardo Paes on 6/1/11</div><br>
<p>Bom dia, boa tarde, boa noite.</p>
<p>O Marco pediu que eu me apresentasse aos leitores do Bitaites. Não é fácil, mas cá vai…</p>
<p>Nasci numa ilha rodeada de barbatanas de tubarão a passearem-se, a de Moçambique, e só consigo viver perto do mar. Daqui de casa até à praia são 10 minutos a pé, mas basta-me ir à janela para ver as ondas, o Cabo Espichel e a Serra da Arrábida.</p>


<p>Pelo que me foi referido e jurado, a primeira palavra que eu disse não foi «mamã», mas «<em>pushka</em>«, ou seja, música. E esta era a que se consumia em família: jazz.</p>
<p>Lembro-me do bofetadão que foi, em pequeno, ouvir «<em>Ascension</em>», de John Coltrane, também uma descoberta para o meu pai. Desde então que prefiro tudo o que não seja certinho e arrumado, seja na <em>pushka</em> como em tudo o resto.</p>


<p>Por motivos geracionais compreensíveis, na pré-adolescência pus-me a ouvir rock. Estava a ir para cenas como Alice Cooper e Mungo Jerry e o meu pai achou por bem, e agradeço-lhe, orientar-me as audições. «<em>Se tens de ouvir rock, pelo menos que seja rock de qualidade</em>», disse-me. Apresentou-me Jethro Tull, Led Zeppelin, Blood, Sweat & Tears, Van Der Graaf Generator, Frank Zappa, Gentle Giant, Soft Machine, Pink Floyd e mais. Felizmente, eram estes também que ouviam dois amigos mais velhos, o Rui e o Bebita. O que o Jack, como a minha mãe lhe chama, não me mostrou, mostraram-me eles.</p>


<p>Na cidade portuária de Nacala, para onde mudámos, tive como vizinho de baixo um miúdo que nos anos 1990 reencontrei (sem então saber que era ele) em Lisboa. Só o ano passado percebemos, eu e o saxofonista Paulo Curado, que tinhamos brincado juntos aos 6, 7 anos de idade. Lembro-me de o ter convencido a saltar o muro das traseiras do nosso prédio e de ele ter aterrado com um pé numa garrafa partida. Fiquei sempre com esse sentimento de culpa, mas o Paulo já me desculpou.</p>

<p><br></p>
<p> <span class="Apple-style-span" style="font-size: 15px; font-weight: bold; ">Não está mal, mas soa-me estranho</span></p>
<p>Ainda que hoje escreva sobre as músicas experimentais e improvisadas, o disco da minha vida é «<em>A Passion Play</em>», dos Jethro Tull, e o meu herói musical chama-se Ian Anderson. Foi por causa dele, de Roland Kirk e do «<em>Malpertuis</em>» de Rão Kyao que me pus a praticar as flautas de cana. Durou apenas alguns anos. Depois, desisti, mais interessado pelas questões teóricas da música.</p>


<p>Uma vez, já com os meus filhos rapazes nascidos, o Jack colocou uma gravação em duo de flauta e guitarra e perguntou-me o que eu achava do flautista. «<em>Não está mal, mas soa-me algo estranho</em>», respondi-lhe. Para minha grande surpresa, revelou-me que era eu. Sempre tinha pensado que tocava pior do que ali ouvia, e também que era mais convencional. O guitarrista era o meu irmão Carlos, que muito mais tarde ganhou algum nome com o grupo de <em>avant-pop</em> Duplex Longa.</p>


<p>Foi com o Carlos que formei o projeto Astronauta Desaparecido, um <em>noise</em> electrónico <em>avant la lettre</em> com formato industrial e atitude punk. Editámos na label <em>Tragic Figures</em>, do Porto, uma cassete que durante um mês esteve no primeiro lugar de vendas do circuito <em>underground</em>. Quando alguém do jornal Blitz me perguntou, numa entrevista, se éramos satânicos, achei que era altura de parar com a coisa.</p>


<p>Nos momentos de grande alegria ou de grande tristeza, desde que me conheço é «<em>A Passion Play</em>» que coloco na aparelhagem. Com o volume puxado para cima.</p>
<p>Os outros discos que eu prefiro desde sempre são os que pegava da colecção do meu pai quando ele não estava por perto: «<em>Afrodisiaca</em>» de John Tchicai com a Cadentia Nova Danica, «<em>Escalator Over the Hill</em>» de Carla Bley com a Jazz Composers Orchestra, «<em>Sweetnighter</em>» e «<em>Mysterious Traveller</em>» dos Weather Report, «<em>Conference of the Birds</em>» de Dave Holland, «<em>A Genuine Tong Funeral</em>» de Gary Burton com composições de Carla Bley, «<em>Cape Verdean Blues</em>» de Horace Silver, «<em>Bitches Brew</em>» de Miles Davis, «<em>Birds of Fire</em>» da Mahavishnu Orchestra.</p>


<p>Em 1974 assisti ao meu primeiro Cascais Jazz e na companhia do meu pai presenciei atuações dos Plexus de Carlos “Zíngaro” e dos Araripa, quarteto em que tocava o contrabaixista Zé Eduardo. Tentei, aos 15 anos, levar “Zíngaro” ao meu liceu, para um concerto. Não havia dinheiro nem PA, mas ele aceitou. Não com os Plexus, mas com o trio Ars Contempora, do qual faziam parte o guitarrista Armindo Neves e o referido Zé Eduardo. Porque a associação de estudantes da escola não estava interessada, e porque o conselho diretivo colocou todos os entraves que pôde imaginar, tive de telefonar ao violinista para lhe comunicar que a iniciativa ficava sem efeito.</p>


<p>Mal adivinhava eu que Carlos “Zíngaro” se tornaria num grande amigo – talvez o mais próximo e constante – e que eu viria a programar concertos com a associação Granular, de que fomos dois dos fundadores. Aliás, nessa altura estava longe de pensar que me tornaria jornalista e muito menos crítico de música. Se me profissionalizei na escrita jornalística foi porque tive um professor na Escola Secundária de S. João do Estoril que me meteu esse bichinho, e se comecei a escrever sobre música foi porque li «<em>Jazz Off</em>», de Jorge Lima Barreto, e ouvi programas radiofónicos deste e de Rui Neves.</p>


<p>A propósito: «<em>Solo</em>», gravado por “Zíngaro” no Mosteiro dos Jerónimos, é outro dos meus discos favoritos.</p>
<p>Interessava-me por teoria política e pretendia cursar Filosofia, mas tomei a mais drástica opção da minha existência quando troquei esse propósito pelo de jornalar, entrando no Diário de Lisboa. De outro modo não teria conhecido músicos como Steve Lacy, Pauline Oliveros, Peter Kowald, Evan Parker, Richard Teitelbaum, Derek Bailey, Fred Frith, Henry Grimes, Elliott Sharp, Phil Niblock, Joelle Léandre, Ken Vandermark e muitos outros, ou criadores e intelectuais de várias áreas como Ernesto de Sousa, Vera Mantero, João Vieira, Leonel Moura, José Mattoso, Bragança de Miranda e José Gil, ou políticos como os ex-presidentes Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, ou os irmãos Paulo e Miguel Portas, ou o ex-brigadista Carlos Antunes.</p>


<p>E que honra foi poder trabalhar com mestres jornalistas como José Manuel Rodrigues da Silva, António Cerejo, Ernesto Sampaio, João Maria Mendes, Neves de Sousa, Diana Andringa…</p>
<p>Muitas vezes estive perto de maldizer esse dia, dadas as dificuldades de sobrevivência que tem neste país um jornalista cultural e um crítico especializado nas «outras músicas», mas a viagem tem compensado. Compensou, por exemplo, os anos em que fiz <em>copydesking</em> em revistas de televisão e novas tecnologias. Aliás, não me arrependo de nada do que fiz, nem da atenção que, para poder sustentar os filhos, dirigi sobre outras matérias, como o ambiente, a saúde, a política, a ciência. Continuo a achar que o melhor trabalho que realizei na minha carreira não foi sobre música, mas sobre… seios.</p>


<p> </p>
<h3>Mamas, maminhas & camada de azoto</h3>
<p><br></p>
<p>Sim, mamas, maminhas. Um fascínio meu desde criança, confesso, mas quando os outros galifões falavam em «tusa», eu falava em «mistério». Eles não compreendiam, mas elas sim. Por isso é que fiz um levantamento do imaginário à volta dos seios, indo das artes plásticas e da literatura às vidas das pessoas. A reportagem comoveu uma associação de mulheres mastectomizadas e suscitou imensos e entusiasmados comentários femininos, mas os homens – a começar por outros jornalistas – acharam uma bizarrice.</p>


<p>Afinal, não era: anos depois foi publicado nos Estados Unidos um livro sobre o tema, «<em>A History of the Breast</em>», de uma mulher, Marilyn Yalom, e mais recentemente a estação televisiva franco-alemã Arte emitiu o documentário «<em>Le culte des seins</em>».</p>


<p>Para todos os efeitos, é impossível escrever sobre música ignorando tudo o mais. Comum é que os meus textos abordem outros assuntos além desse. E sim, já escrevi sobre música e mamas na mesma prosa – porque não? Esses textos são analíticos e têm-me valido ser tomado como um musicólogo. A verdade é que não tenho essa formação. Já dei numerosas conferências em universidades e os meus livros foram estudados em teses de mestrado e doutoramento, mas não sou um académico. Apenas penso sobre a música, inserindo-a nos contextos em que emergem, designadamente os humanos e sociais.</p>


<p>Se vinte e sete anos de escrita me valeram ser admirado por alguns, tornaram-me também odiado por outros. É inevitável, e por mais que isso me custe. Prefiro que as pessoas gostem de mim, mas acima de tudo valorizo a liberdade de expressão e de opinião. O que penso de um disco ou de um concerto é o que coloco no papel. Sem ver a quem, e muitas vezes são músicos amigos que critico. Se estes realmente me tiverem amizade, aguentam com isso. Se a dita não lhes é importante, ora afastam-se, ora barafustam e ameaçam-me com uns estalos. É assim…</p>


<p> </p>
<h3>Despeço-me com um manguito</h3>
<p>Fiz 50 anos a 1 de Janeiro, mas visto-me da mesma maneira que quando tinha 20. Com calças de ganga, ténis, t-shirt ou camisa para fora. Fatos e gravatas não uso, nem quero usar.</p>
<p>Sou careca desde há muito tempo. Tenho buracos na cara que a minha filha de 12 anos compara com os da Lua, mas não, não sofri de bexigas. Deve-se tal ao facto de um dermatologista que tirou o diploma numa sapataria ter resolvido «curar» o meu acne juvenil com azoto a 190 graus negativos, queimando-me a pele.</p>


<p>Vivo com a mesma mulher há 27 anos e adoro-a, mesmo que às vezes me ponha a cabeça em água.</p>
<p>Tenho dois problemas crónicos de saúde: uma gastrite / colite que vou mantendo com os meus vícios (cigarrilhas e red bull) e uma osteoporose.</p>
<p>Irrito-me todos os dias com José Sócrates e Pedro Passos Coelho, mas admiro Paulo Portas (apesar de nunca concordar com ele) e Francisco Louçã, devido à enorme inteligência de ambos. Considero-me um libertário. Quando jovem, tinha na parede um poster de Karl Marx com o símbolo da anarquia desenhado na testa. Sigo o ideal da democracia participativa e construída da base para cima, mas se um dia chegarmos, eventualmente, a esse cenário, gritarei a plenos pulmões pelo direito a não participar.</p>


<p>Tenho dois livros de cabeceira: «<em>Lipstick Traces</em>» de Greil Marcus e «<em>Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia</em>» de Gilles Deleuze e Félix Guattari.</p>
<p>O meu filme preferido é «<em>A Paixão de Joana d’Arc</em>», de Karl Dryer. Seguem-se «<em>Ivan, o Terrível</em>» de Eisenstein e «<em>Saló ou os 120 Dias de Sodoma</em>» de Pasolini.</p>
<p>Pronto, estou apresentado. Daqui a uns dias mostrar-vos-ei alguns discos acabados de sair da fábrica e gravados por portugueses. Até lá, façam um manguito ao FMI e à Merkel…</p>
<p>Este post foi publicado originalmente no <a href="http://bitaites.org" target="_blank">Bitaites</a>. </p><div>
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</span></font></h3></div></div><span style="font-size:7.5pt">Manuela São Simão<br><br>
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