[ARENA] Elsevier Publishing Boycott

Diniz Cayolla Ribeiro dinizcayolla gmail.com
Sexta-Feira, 10 de Fevereiro de 2012 - 11:48:20 WET


Obrigado pelas referências e pela proposta. Fiquei a pensar. Entretanto, envio um texto escrito pelo Luís Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia do Porto, especialista na área do comportamento desviante. 
NOTA: texto foi escrito a 1 de Janeiro de 2009, proposto ao Público dias depois e saído a 27 do mesmo mês
"O American Way of Science

É comum ver hoje designadas as nossas sociedades como as do conhecimento. Neste tipo de sociedades, a produção e difusão de saber científico é um dos aspectos-chave do seu funcionamento, conferindo à comunidade científica um papel estratégico. É por isso que, com regularidade, os governos reafirmam ritualmente o seu investimento na sociedade do conhecimento em geral – veja-se o caso recente do já famoso computador Magalhães – e no sector científico em particular. Ora, a Fundação para a Ciência e Tecnologia tornou públicas, no final do ano que agora terminou, as classificações dos centros de investigação que financia. Não pretendemos pôr em causa a necessidade de avaliar as estruturas da investigação científica ou, sequer, colocar em causa a idoneidade e isenção do processo que foi levado a cabo. Visa-se, apenas, reflectir sobre o modo como tende a ajuizar-se hoje o trabalho de quem se dedica profissionalmente à ciência, procurando mostrar como este juízo responde a um sistema de regras, nem sempre claramente explicitadas, que relevam de factores extra-científicos. O nosso ângulo de  análise é elaborado a partir das ciências  sociais e humanas, admitindo por  isso que, para outros sectores da divisão das ciências,  as questões possam não ser  colocadas, em relação a alguns aspectos, do mesmo modo.

As investigações norte-americana e inglesa têm vindo a adquirir progressiva influência no sistema científico internacional, convertendo-se numa verdadeira dominação. É próprio dos sistemas de dominação um traço etnocentrista: são melhores do que os outros, como o demonstra o facto de dominarem, e portanto consideram-se, por uma espécie de direito natural, investidos da incumbência de ditarem aos outros um conjunto de regras. E é próprio dos dominados acabarem por incorporar as regras de tal modo que passam a achar que são naturalmente suas. No caso vertente, elas ditam aquilo que deve ser investigado, o formato em que devem decorrer os certames de especialistas, que órgãos da comunicação da ciência devem ser publicados os resultados e em que língua os investigadores devem expressar-se – o que decorre naturalmente do idioma dos países desses órgãos.

As línguas inglesa e, em menor grau, a francesa, são os instrumentos de afirmação da hegemonia. Sabemos como os sistemas de controle apostam na vigilância das linguagens e das línguas – a hegemonia exprime-se numa linguagem positivista e na língua inglesa.

Todo o sistema de dominação que não se impõe pela força, mas pela subtileza, tende progressivamente a ser incorporado como natural. É por isso que as gerações de investigadores mais jovens, aculturadas no circuito de congressos internacionais e nos circuitos virtuais da net, onde o inglês é o veículo, não sentem isto como dominação, mas como proficiência – é-se tanto mais competitivo e, portanto, num sistema marcado por uma competição desenfreada, tanto melhor cientista quanto mais e melhor se falar e escrever em linguagem positivista e em língua inglesa. Note-se que ainda há poucas décadas esta ditadura da língua pendia para o francês. E sabemos dos esforços que a França faz para se manter como língua internacional da ciência, numa consciência clara da perda de influência que a sua desvalorização acarreta – porque uma língua não é só um veículo, é um sistema de pensamento, é constitutiva duma cultura.

Enfim, o sistema internacional são meia dúzia de países, uma linguagem e duas línguas. Para os avaliadores da FCT não conta publicar um artigo numa revista brasileira ou espanhola? E polaca ou grega? Os polacos ou os gregos não conseguem fazer uma revista científica que valha pontos? Quando fazemos investigação solicitada e financiada por instituições portuguesas, devemos escrever os relatórios em inglês? E, se a problemática for pouco interessante para os norte-americanos, por razões da nossa especificidade socio-cultural, não podendo publicá-la nesses países, esta investigação não vale pontos? Publicá-la aqui não serve para nada? Então a produção de saber não deve ser utilizada pela comunidade a que diz respeito? Não visa agir na nossa realidade próxima? E, se publicar aqui não vale nada, como pode algum dia chegar-se a ter uma boa revista científica?

Portanto, o justo apelo que é feito aos cientistas para se internacionalizarem, o que, nas regras do jogo científico é não só sensato como indispensável, equivale na prática à submissão ao sistema científico anglo-americano. Publicando nas que, neste sistema, são consideradas de qualidade, estamos internacionalizados. E são estas que lemos, e são estas que pomos os nossos alunos a ler, e é nestas que alguns deles algum dia publicarão – fecha-se assim o círculo da dominação, que a reforça e, no limite, a hegemoniza, tornando-a indiscutida e indiscutível. Foi este o mecanismo pelo qual uma série de países alimentou o sistema financeiro liderado pelos EUA convertido em tentativa de hegemonia neo-liberal e cujo círculo acaba de romper-se…

Se esta dominação se verificasse a outros níveis, desqualificando tudo o que se passasse noutras latitudes que não a do eixo anglo-americano e, em menor escala, francófono, esses países seriam acusados de imperialistas e de praticarem a discriminação. Como podem pessoas que pertencem à nossa cúpula intelectual, como são os membros da comunidade científica, não se darem conta de que estão a ser alinhados por uma mão adestradora que é, em particular no caso das ciências sociais e humanas, exterior à sua lógica de produção e difusão do conhecimento? Como não se dão conta de que estão a ser infantilizados em interrogatórios de senhores que vêm, por meia dúzia de dias, ao nosso país constituir um júri que, por cima e de longe, desfasado da nossa realidade e incapaz de ler, sequer, o melhor da nossa produção porque este não está, as mais das vezes, nas línguas deles? Que fazemos do pensamento crítico, que devíamos ter tão treinado? Como somos complexos e críticos para umas coisas e tão simplórios e amorfos para outras? Fiquemo-nos, para já, com estas questões, enquanto não chega o próximo júri internacional convidado pela FCT e nos ajoelharmos de novo prontos para o exame de consciência científica…"



A 09/02/2012, às 10:11, André Rangel escreveu:

> Abrandar, SlowFood e SlowScience parece-me Virilio ;)
> 
> Além da velocidade, e do guito acrescento às questões que bem enumeraste o crivo nivelador e modelador. Sobre a validação (científica), em Dezembro escrevi o seguinte a um grupo de 4 amigos (juntos forjamos um projecto):
> 
> """""""""""""""""""""
> (...)
> It's a fact that scientists and many academics are encouraged to build on another's findings and knowledge to evolve their discipline. Normally their experiments must be repeatable and reportable to be validated. This practices (peer reviewing included) can create a convergent process. I personally think that this practices can be questionable. On the other 'hand', artists and designers don't care so much about the repeatability, reportability and formula success of their experiments because they value more uniqueness and originality. They experiment to innovate!
> (...)
> """""""""""""""""""""
> 
> Alternativas ao guito.... aqui http://www.doaj.org/doaj?func=subject&cpid=1&uiLanguage=en por exemplo podes encontrar vários Jornais de acesso livre e sem custos para quem quer publicar.
> 
> Agora sem qualquer crivo, quase sem guito e sem normas sugiro 'blogoesfera' ou então compra um domínio, eu ofereço-te espaço de alojamento ilimitado de borla para publicares escritos, videos ou audios das tuas comunicações ;)
> 
> Saudações,
> 
> André
> 
> On Feb 8, 2012, at 10:40 PM, Diniz Cayolla Ribeiro wrote:
> 
>> Caro André,
>> A lembrança do trabalho do Santiago Sierra deve ter a ver com o facto de ser freudiano. Acho que vou ter de pensar isto com a analista :)
>> 
>> Em relação ao debate propriamente dito, já todos percebemos que estão aqui a ser discutidas várias questões que vale a pena enumerar.
>> Em primeiro lugar, temos a questão do conhecimento científico, a forma como deve ser veiculado, se deve ser disponibilizado de forma totalmente gratuita ou através de um pequeno pagamento, se é legítimo os preços que as editoras cobram, etc. Este é o tema central do post que o Miguel lançou aqui, e estas são as questões que estão na origem do boicote à Elsevier.
>> 
>> Depois temos a questão do pagamento das publicações e das comunicações, que também está evidentemente relacionada com a mercantilização do conhecimento académico/científico, mas que levanta ainda outro tipo de problemas. São todas as questões que tu levantaste e bem, e que se prendem com o suposto "mérito" científico, intimamente relacionado com a capacidade económica de cada investigador, bem como com o aproveitamento que algumas empresas (com ou, supostamente, sem fins lucrativos) fazem da situação. Estou a pensar nas empresas que se constituíram especificamente para tratar destes assuntos, ou de outro tipo de 'empresas', que se especializaram no mercado da 'cultura', e que estão a tirar partido do sistema para se auto-finaciarem e poderem sobreviver. Não as censuro. O capital Social por si só não chega, e é necessário arranjar fontes de subsistência para pagar aos 'referees'; e todos nós sabemos como eles se fazem pagar caro. Para isso, cobram-se taxas a quem não faz parte do 'sistema', e explora-se os jovens alunos/investigadores, que precisam de fazer currriculum e até têm dinheiro para pagar. Foi especificamente em relação a estes casos que me lembrei do trabalho do Santiago Sierra.
>> 
>> Em terceiro lugar, temos a necessidade urgente de pensar em alternativas, como muito bem lembrou José Bartolo. Em relação a este aspecto, felizmente, e como tu próprio disseste, existem ainda por aí alguns bons exemplos de seminários e congressos que não cobram taxas àqueles que vão lá falar. Mas são cada vez menos, e por isso é que decidi lançar esta questão, porque eu quero continuar a produzir artigos e comunicações, e não me apetece nada ter de pagar para isso. Para além de me parecer errado, não sou rico, e uma parte significativa do dinheiro que ganho serve para comprar livros e outros bens científicos/culturais que me permitem continuar a dar aulas e escrever artigos.
>> 
>> Por último, temos ainda a questão da velocidade disparatada a que isto chegou, em que o mais importante não é o conteúdo do artigo/comunicação, mas sim o número de artigos/comunicações por ano; mesmo que ninguém os leia. A este propósito, partilho aqui uma notícia que um amigo meu me enviou, a propósito de uma manifesto de investigadores que defendem  a necessidade da "slowscience"
>> 
>> Aqui vai:
>> 
>> 08/08/2011 - 08h42
>> 'Slow Science' prega pesquisa científica em ritmo desacelerado
>> Publicidade
>> 
>> *SABINE RIGHETTI*
>> FOLHA DE SÃO PAULO
>>   Um movimento que começou na Alemanha está ganhando, aos poucos, os
>> corredores acadêmicos. A causa é nobre: mais tempo para os cientistas
>> fazerem pesquisa.
>> Quem encabeça a ideia é a organização "Slow  
>> Science"<http://slow-science.org/>,
>> criada por cientistas gabaritados da Alemanha.
>> Você concorda com o "Slow Science"?
>> Vote<http://polls.folha.com.br/poll/1122005/>
>> Aderir ao movimento significa não se render à produção desenfreada de
>> artigos em revistas especializadas, que conta muitos pontos nos sistemas de
>> avaliação de produção científica.
>> Hoje, quem publica em revistas científicas muito lidas e mencionadas por
>> outros cientistas consegue mais recursos para pesquisa.
>> Por isso, os cientistas acabam centrando seu trabalho nos resultados
>> (publicações).
>> "Somos uma guerrilha de neurocientistas que luta para que o modelo midiático
>> de produção científica seja revisto", disse à *Folha* o neurocientista Jonas
>> Obleser, do Instituto Max Planck, um dos criadores do "Slow Science".
>> O grupo chegou a criar um manifesto, no final do ano passado, em que
>> proclama: "Somos cientistas, não blogamos, não tuitamos, temos nosso tempo.
>> A ciência lenta sempre existiu ao longo de séculos. Agora, precisa de
>> proteção."
>> O documento está na porta da geladeira do laboratório do médico brasileiro
>> Rachid Karam, que faz pós-doutorado na Universidade da Califórnia em San
>> Diego.
>> "O manifesto faz sentido. Temos de verificar os dados antes de tirarmos
>> conclusões precipitadas", analisa. "A 'Slow Science' nos daria tempo para
>> analisar uma hipótese em profundidade e tirar conclusões acertadas."
>> De acordo com Obleser, o número de cientistas simpatizantes do movimento
>> está crescendo, "especialmente na América Latina".
>> "Mas não é preciso se filiar formalmente. Basta imprimir o manifesto e
>> montar guarda no seu departamento", diz.
>> O Slow Science é um braço do já conhecido "Slow Food", que defende uma
>> alimentação mais lenta e saudável, tanto no preparo quanto no consumo dos
>> alimentos.
>> Na ciência, a ideia é pregar a pesquisa que não se paute só pelo resultado
>> rápido.
>> 
>> 
>> *CETICISMO*
>> "É improvável que o ritmo de fazer pesquisa seja diminuído por meio de um
>> acordo mundial em que cada cientista assume o compromisso de desacelerar
>> seus trabalhos", diz o especialista em cientometria (medição da
>> produtividade científica) Rogério Meneghini.
>> Ele é coordenador científico do Projeto SciELO, que reúne publicações da
>> América Latina com acesso livre.
>> Para Meneghini, o "Slow Science" é um movimento "anêmico" num contexto em
>> que a rapidez do fluxo de ideias e informações acelera as descobertas.
>> "Parece uma reivindicação de um velho movimento com uma roupagem nova. É
>> certamente a sensação de quem está perdendo as pernas para correr", conclui.
>> 
>> 
>> Abraço e obrigado pela foto;)
>> 
>> DCR
>> 
>> A 08/02/2012, às 18:11, André Rangel escreveu:
>> 
>>> Loool :)
>>> 
>>> Dinis, presunção incerta porque eu desconhecia 'Los Penetrados' ;) Mas agora já conheço, obrigado!!
>>> 
>>> O debate que propuseste não me lembra qualquer tipo de penetração sexual. Observando com alguma atenção as fotografias da obra do Santiago parece-me que estava lá gente que nem erecção tinha para penetrar fosse quem (ou o que) fosse. As legendas mentem mas isso é aceitável porque o Santiago vende arte.
>>> 
>>> Quanto ao patrocínio para a tua actividade docente, se for eficiente já estou a ver o bar e a cantina da FBAUP assim:
>>> 
>>> http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/df/British_Chess_Championship_2009.jpg
>>> 
>>> Sudações,
>>> 
>>> André Rangel
>>> 
>>> On Feb 8, 2012, at 1:36 PM, Diniz Cayolla Ribeiro wrote:
>>> 
>>>> Ao reflectir sobre isto, vem-me sempre à memória o trabalho de Santiago Sierra, realizado em 2008. Intitula-se: Los Penetrados. Presumo que conheces: http://www.santiago-sierra.com/200807_1024.php
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