[ARENA] Mas a cópia é legal

ricardo lafuente bollecs sollec.org
Segunda-Feira, 7 de Dezembro de 2009 - 05:22:44 WET


João Martins wrote:
> Muito obrigado, por isso, por partilhares e, já agora, tens este texto 
> publicado em algum sítio para o qual possamos referenciar outras 
> pessoas, fora da Arena?
Foi publicado ontem:
http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=14541&Itemid=130

:r



>
> Abraço,
>
> João Martins
> http://joaomartins.entropiadesign.org
>
> 2009/12/3 ricardo lafuente <bollecs  sollec.org 
> <mailto:bollecs  sollec.org>>
>
>     Car  s Arenistas,
>
>     Segue aqui o último rascunho de um artigo que escrevi sobre a
>     questão da 'pirataria' e as recentes declarações do Ministério da
>     Cultura.
>
>     Entre outras coisas, algo que nunca é mencionado -- e que eu até
>     há umas semanas desconhecia -- é que a cópia privada sem fins
>     lucrativos é permitida pela lei, mesmo sem o consentimento dos
>     detentores dos direitos.
>     Dada a falta de fóruns sobre o assunto e a constante
>     contra-informação que tem populado os media, aqui fica, com
>     esperança de feedback crítico, venha de onde vier.
>
>     Ah, e porque o assunto é sério e já nos está a bater à porta.
>
>     :r
>
>
>     *Mas a lei está do nosso lado***
>     ============================
>     /A cópia privada é autorizada pela lei portuguesa. Os interesses
>     das indústrias não se conformam e a nova ministra mostra fraqueza,
>     admitindo que quem copia poderia perder o acesso à internet./
>
>
>     "É natural que a medida do corte de acesso possa vir a ser tomada,
>     depois de vários avisos ao utilizador, mediante decisão judicial".
>     Estas foram as palavras da Ministra da Cultura acerca das pressões
>     da indústria de conteúdos sobre as medidas a tomar face a quem faz
>     cópias privadas de conteúdos protegidos. O episódio acontece no
>     seguimento de vários outros pela Europa, nomeadamente em França e
>     Inglaterra, onde é proposta uma política de "três avisos": uma
>     pessoa que seja detectada a fazer cópias de obras protegidas por
>     direitos de autor corre o risco de ver o seu acesso à internet
>     cortado. Isto numa altura em que já a Finlândia e a Espanha
>     consagraram o acesso à internet como um direito fundamental da
>     população. Nestas preocupantes medidas não existe qualquer
>     distinção entre cópia privada para uso pessoal e cópia para fins
>     lucrativos. Quem saca, arrisca.
>
>     A discussão não é nova e, mesmo nos sectores mais progressistas, é
>     difícil encontrar-se consenso quanto ao equilíbrio entre os
>     direitos fundamentais de cidadania e o direito dos artistas à
>     distribuição da sua obra. Mas vamos concentrar-nos noutro aspecto:
>     começaremos por mostrar que a lei portuguesa permite a cópia para
>     usufruto pessoal (como garante do direito do acesso universal à
>     cultura) e já prevê mecanismos de compensação dos artistas.
>     Finalmente, vamos contrapor esses dois factos à situação agora
>     verificada, em que os próprios representantes do Estado, sob a
>     pressão da indústria, parecem esquecer a lei em vigor.
>
>     No site da Associação Portuguesa do Direito Intelectual (APDI),
>     encontramos o parecer jurídico "Cópia Privada e Sociedade da
>     Informação", da autoria do Prof. Dário Moura Vicente. Este parecer
>     é esclarecedor quanto ao estatuto legal da cópia privada. Vamos
>     resumir o parecer, tentando reduzir ao mínimo o legalês (caso não
>     haja paciência para ler tudo, não há problema em saltar para o
>     ponto seguinte; mas vale a pena, porque é uma compreensão lúcida
>     de pormenores da lei de direitos de autor que ajuda a ver a
>     questão com outros olhos).
>
>
>     *A Cópia Privada e a Sociedade da Informação
>     *
>     Existem vários interesses envolvidos na produção cultural: para
>     além dos interesses morais e patrimoniais dos autores, na figura
>     do direito de autor, estão também consagrados os interesses
>     colectivos da sociedade, materializados na prioridade ao livre
>     acesso à cultura. Dentro destes interesses colectivos, figuram as
>     utilizações livres, nas quais se inclui a cópia privada sem fins
>     lucrativos.
>
>     As novas tecnologias vieram facilitar a realização de reproduções
>     para uso privado, desde a reprografia até à digitalização. Como o
>     controlo das reproduções se torna impossível, e como a cópia se
>     torna efectivamente massificada graças aos media digitais (entre
>     os quais as redes /peer-to-peer/), procurou-se encontrar uma
>     solução de compromisso que compense as entidades de gestão
>     colectiva de direitos de autor e conexos. Aliás, a proibição da
>     cópia digital privada seria incompatível com a Directiva europeia
>     2001/29/CE, transposta também para a lei portuguesa.
>
>     Uma das soluções apresentadas para resolver a situação seria o uso
>     de medidas tecnológicas de protecção dos conteúdos, mais
>     conhecidas como DRM. No entanto, mesmo os DRM não conseguiram
>     assegurar que a cópia privada pudesse ser contida e/ou gerida, e
>     em muitos casos até limitaram usos legítimos dos produtos em que
>     foram aplicados.
>
>
>     A resposta aos eventuais prejuízos da exploração pela existência
>     do direito à cópia privada foi a consagração de uma 'compensação
>     equitativa' pela cópia privada. Ou seja, no preço de venda ao
>     público de todos os suportes graváveis que permitam a gravação e
>     reprodução de obras, inclui-se uma quantia 'destinada a beneficiar
>     os autores, os artistas, intérpretes ou executantes e os
>     produtores fonográficos e videográficos' (lei 62/98, 1/Set). Tal
>     inclui as bibliotecas e outras entidades públicas ou privadas que
>     realizem fotocópias, também elas sujeitas a essa 'taxa'. Os
>     valores estabelecidos foram:
>
>     - no caso das fotocópias e outros suportes, 3% do preço sem IVA;
>     - no caso dos suportes áudio e multimédia (cassetes, CD's, DVD's),
>     entre 0.13 e 1.00 €, consoante o suporte.
>
>     Para a gestão dos montantes gerados por este tributo, foi criada a
>     Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), a quem compete
>     recolher as quantias cobradas para esse fim junto das entidades
>     públicas e privadas que forneçam serviços de reprodução de obras
>     ou vendam suportes físicos para esse fim.
>
>     O parecer conclui pela legitimidade da cópia privada no ambiente
>     digital, considerando que existe a contrapartida social e
>     económica na figura da compensação equitativa. No entanto, não
>     deixa de apontar várias lacunas e falhas deste regime: são
>     afectadas utilizações que não abordam obras e prestações
>     protegidas; os pagamentos não revertem muitas vezes para os
>     titulares dos direitos; é distorcida a concorrência no mercado
>     internacional.
>
>     São finalmente lançados alguns avisos face ao risco de combinar a
>     compensação equitativa com modelos de licenciamento e gestão
>     individuais, que podem eventualmente resultar em 'prejuízo do
>     acesso do público à informação e à cultura, ou na obtenção pelos
>     titulares de direitos de um ganho indevido à custa dos utentes
>     mediante um duplo pagamento por estes'.
>
>     *E então?
>     *
>     Deste parecer jurídico, importa reter dois pontos fundamentais:
>     1. O direito à cópia privada está consagrado na lei portuguesa,
>     sob os seguintes termos: é lícita, 'sem o consentimento dos
>     titulares de direitos, a reprodução de obras e prestações
>     protegidas para fins exclusivamente privados, ou seja, a
>     reprodução que é levada a cabo por uma pessoa singular, sem fim
>     lucrativo, visando satisfazer necessidades pessoais do utilizador
>     ou dos seus próximos' (CDADC, Artº 75). Permanecem assim ilegais
>     as situações onde haja fins lucrativos, mas a cópia para usufruto
>     pessoal está inequivocamente autorizada.
>
>     2. Para compensar o eventual prejuízo causado pela salvaguarda
>     deste direito, o compromisso que se encontrou entre os
>     representantes dos autores e o público (através da figura do
>     Estado) foi a imposição de uma taxa sobre os suportes físicos que
>     sirvam para a reprodução de material cultural, que é paga desde
>     1998. Ou seja, o assunto está resolvido já há algum tempo: pelo
>     direito que temos de aceder livremente a bens culturais
>     (protegidos ou não por direitos de autor) usando os meios técnicos
>     disponíveis (cassetes, CD's, sites ou redes /peer-to-peer/),
>     pagamos uma taxa para compensar os autores.
>
>     Normalmente, a discussão sobre o direito à cópia dispersa-se por
>     pormenores sobre a legitimidade do direito de autor, a
>     proporcionalidade dos lucros das indústrias, a justiça (ou não) de
>     haver multidões que baixam músicas para os seus leitores MP3 e o
>     efeito que este acesso universal na visibilidade dos artistas e
>     das suas obras - e todas estas questões são fundamentais num
>     debate alargado sobre a cultura nos nossos dias. No entanto,
>     costuma ser argumentado que qualquer que seja a situação, estão a
>     ser cometidas ilegalidades, e que “a lei é a lei”.
>
>     E o que é, afinal, a lei? A lei diz-nos que a cópia, feita para
>     nós, para nós ouvirmos ou vermos, corresponde ao direito
>     fundamental de acesso livre à cultura. Mais: a lei foi também
>     adaptada para responder às exigências dos artistas em relação à
>     compensação que lhes seria devida por esse estatuto.
>
>     À luz de tudo isto, tornam-se incompreensíveis as recentes
>     palavras do governo acerca de medidas repressivas face à cópia
>     privada. E torna-se insultuoso ver a indústria a defender o corte
>     do acesso à internet ou o seu controlo quando a própria indústria
>     propôs a taxa aos media graváveis como forma de ser compensada
>     pela existência de um estatuto que permite a cópia privada.
>
>     Da ordem do bizarro são as medidas de controlo do acesso a redes
>     /peer-to-peer/. Como é possível saber que conteúdos estão a ser
>     transferidos sem estar a violar o artº 194 do Código Penal
>     Português, que pune especificamente a violação de correspondência
>     e telecomunicações? Como seria possível distinguir entre um
>     ficheiro copiado para uso privado, e outro para fins lucrativos? A
>     única resposta que a indústria tem é a repressão indiscriminada,
>     sem qualquer sinal de estar disposta a considerar os usos
>     legítimos que a própria lei assegura. Usa redes /peer-to-peer/? É
>     pirata, corte-se a ligação, e vai com sorte de não levar um processo.
>
>     Aos 'piratas' é atribuída a culpa da perda de receitas da
>     indústria. Não se cita qualquer estudo que demonstre essa perda;
>     os jornais de referência repetem o 'diz-que-disse' dos
>     representantes da indústria. Os piratas são responsáveis pelo
>     declínio dos video-clubes, lê-se, sem qualquer referência ao
>     aparecimento de 'TV boxes' vendidas pela Vodafone ou PT que tornam
>     o aluguer de filmes muito mais prático e cómodo.
>
>     Mas mesmo aceitando a tese da perda de lucros, surpreende que uma
>     indústria tenha uma quebra de receitas quando trata o seu
>     público-alvo desta forma? Passando 'sketches' a apelidar o público
>     de criminoso antes de cada filme, introduzindo métodos invasivos
>     de protecção à cópia que muitas vezes restringem os usos legítimos
>     do produto comprado, e propondo mesmo a monitorização e controlo
>     das ligações e transmissões privadas?
>
>     Somos naturalmente sensíveis às preocupações dos artistas no que
>     toca às insuficiências do sistema de remuneração, que peca por uma
>     distribuição deficiente das verbas obtidas entre os artistas,
>     entre outros defeitos. É necessária abertura para repensar o
>     direito de autor e a compensação à luz das novas tecnologias. No
>     entanto, o silêncio dos artistas perante a real ameaça a direitos
>     fundamentais de cidadania do seu público merece ser mencionado.
>
>     Pelo seu lado, a indústria sublinha que se está nas tintas para o
>     público e defende que os litígios que a envolvem sejam resolvidos
>     por uma entidade administrativa e não pelos tribunais (que 'tornam
>     o processo demasiado lento', segundo o director-geral da AFP).
>     Considerando que esta situação está prevista na lei, isto é muito
>     grave.
>
>     Mas a questão mais perturbadora é a seguinte: como é que uma
>     ministra de um Estado de Direito pode ir nesta conversa,
>     esquecendo (?) a existência de uma lei que protege a cópia privada?
>
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