[ARENA] Mas a cópia é legal

João Martins joaomartins mac.com
Quinta-Feira, 3 de Dezembro de 2009 - 23:59:42 WET


Ricardo:

Muito interessante e pertinente.
Esta é uma questão que me interessa muito e que tenho debatido muitas vezes
e a ignorância generalizada relativa ao texto e ao espírito da(s) lei(s)
frequentemente invocada(s), do direito de autor ao direito à cópia privada,
mina estas discussões e cria grande confusão. E é no contexto dessa confusão
que as medidas mais preocupantes vão sendo propostas.
Muito obrigado, por isso, por partilhares e, já agora, tens este texto
publicado em algum sítio para o qual possamos referenciar outras pessoas,
fora da Arena?

Abraço,

João Martins
http://joaomartins.entropiadesign.org

2009/12/3 ricardo lafuente <bollecs  sollec.org>

> Car  s Arenistas,
>
> Segue aqui o último rascunho de um artigo que escrevi sobre a questão da
> 'pirataria' e as recentes declarações do Ministério da Cultura.
>
> Entre outras coisas, algo que nunca é mencionado -- e que eu até há umas
> semanas desconhecia -- é que a cópia privada sem fins lucrativos é permitida
> pela lei, mesmo sem o consentimento dos detentores dos direitos.
> Dada a falta de fóruns sobre o assunto e a constante contra-informação que
> tem populado os media, aqui fica, com esperança de feedback crítico, venha
> de onde vier.
>
> Ah, e porque o assunto é sério e já nos está a bater à porta.
>
> :r
>
>
> *Mas a lei está do nosso lado***
> ============================
> /A cópia privada é autorizada pela lei portuguesa. Os interesses das
> indústrias não se conformam e a nova ministra mostra fraqueza, admitindo que
> quem copia poderia perder o acesso à internet./
>
>
> "É natural que a medida do corte de acesso possa vir a ser tomada, depois
> de vários avisos ao utilizador, mediante decisão judicial". Estas foram as
> palavras da Ministra da Cultura acerca das pressões da indústria de
> conteúdos sobre as medidas a tomar face a quem faz cópias privadas de
> conteúdos protegidos. O episódio acontece no seguimento de vários outros
> pela Europa, nomeadamente em França e Inglaterra, onde é proposta uma
> política de "três avisos": uma pessoa que seja detectada a fazer cópias de
> obras protegidas por direitos de autor corre o risco de ver o seu acesso à
> internet cortado. Isto numa altura em que já a Finlândia e a Espanha
> consagraram o acesso à internet como um direito fundamental da população.
> Nestas preocupantes medidas não existe qualquer distinção entre cópia
> privada para uso pessoal e cópia para fins lucrativos. Quem saca, arrisca.
>
> A discussão não é nova e, mesmo nos sectores mais progressistas, é difícil
> encontrar-se consenso quanto ao equilíbrio entre os direitos fundamentais de
> cidadania e o direito dos artistas à distribuição da sua obra. Mas vamos
> concentrar-nos noutro aspecto: começaremos por mostrar que a lei portuguesa
> permite a cópia para usufruto pessoal (como garante do direito do acesso
> universal à cultura) e já prevê mecanismos de compensação dos artistas.
> Finalmente, vamos contrapor esses dois factos à situação agora verificada,
> em que os próprios representantes do Estado, sob a pressão da indústria,
> parecem esquecer a lei em vigor.
>
> No site da Associação Portuguesa do Direito Intelectual (APDI), encontramos
> o parecer jurídico "Cópia Privada e Sociedade da Informação", da autoria do
> Prof. Dário Moura Vicente. Este parecer é esclarecedor quanto ao estatuto
> legal da cópia privada. Vamos resumir o parecer, tentando reduzir ao mínimo
> o legalês (caso não haja paciência para ler tudo, não há problema em saltar
> para o ponto seguinte; mas vale a pena, porque é uma compreensão lúcida de
> pormenores da lei de direitos de autor que ajuda a ver a questão com outros
> olhos).
>
>
> *A Cópia Privada e a Sociedade da Informação
> *
> Existem vários interesses envolvidos na produção cultural: para além dos
> interesses morais e patrimoniais dos autores, na figura do direito de autor,
> estão também consagrados os interesses colectivos da sociedade,
> materializados na prioridade ao livre acesso à cultura. Dentro destes
> interesses colectivos, figuram as utilizações livres, nas quais se inclui a
> cópia privada sem fins lucrativos.
>
> As novas tecnologias vieram facilitar a realização de reproduções para uso
> privado, desde a reprografia até à digitalização. Como o controlo das
> reproduções se torna impossível, e como a cópia se torna efectivamente
> massificada graças aos media digitais (entre os quais as redes
> /peer-to-peer/), procurou-se encontrar uma solução de compromisso que
> compense as entidades de gestão colectiva de direitos de autor e conexos.
> Aliás, a proibição da cópia digital privada seria incompatível com a
> Directiva europeia 2001/29/CE, transposta também para a lei portuguesa.
>
> Uma das soluções apresentadas para resolver a situação seria o uso de
> medidas tecnológicas de protecção dos conteúdos, mais conhecidas como DRM.
> No entanto, mesmo os DRM não conseguiram assegurar que a cópia privada
> pudesse ser contida e/ou gerida, e em muitos casos até limitaram usos
> legítimos dos produtos em que foram aplicados.
>
>
> A resposta aos eventuais prejuízos da exploração pela existência do direito
> à cópia privada foi a consagração de uma 'compensação equitativa' pela cópia
> privada. Ou seja, no preço de venda ao público de todos os suportes
> graváveis que permitam a gravação e reprodução de obras, inclui-se uma
> quantia 'destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou
> executantes e os produtores fonográficos e videográficos' (lei 62/98,
> 1/Set). Tal inclui as bibliotecas e outras entidades públicas ou privadas
> que realizem fotocópias, também elas sujeitas a essa 'taxa'. Os valores
> estabelecidos foram:
>
> - no caso das fotocópias e outros suportes, 3% do preço sem IVA;
> - no caso dos suportes áudio e multimédia (cassetes, CD's, DVD's), entre
> 0.13 e 1.00 €, consoante o suporte.
>
> Para a gestão dos montantes gerados por este tributo, foi criada a
> Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), a quem compete recolher
> as quantias cobradas para esse fim junto das entidades públicas e privadas
> que forneçam serviços de reprodução de obras ou vendam suportes físicos para
> esse fim.
>
> O parecer conclui pela legitimidade da cópia privada no ambiente digital,
> considerando que existe a contrapartida social e económica na figura da
> compensação equitativa. No entanto, não deixa de apontar várias lacunas e
> falhas deste regime: são afectadas utilizações que não abordam obras e
> prestações protegidas; os pagamentos não revertem muitas vezes para os
> titulares dos direitos; é distorcida a concorrência no mercado
> internacional.
>
> São finalmente lançados alguns avisos face ao risco de combinar a
> compensação equitativa com modelos de licenciamento e gestão individuais,
> que podem eventualmente resultar em 'prejuízo do acesso do público à
> informação e à cultura, ou na obtenção pelos titulares de direitos de um
> ganho indevido à custa dos utentes mediante um duplo pagamento por estes'.
>
> *E então?
> *
> Deste parecer jurídico, importa reter dois pontos fundamentais:
> 1. O direito à cópia privada está consagrado na lei portuguesa, sob os
> seguintes termos: é lícita, 'sem o consentimento dos titulares de direitos,
> a reprodução de obras e prestações protegidas para fins exclusivamente
> privados, ou seja, a reprodução que é levada a cabo por uma pessoa singular,
> sem fim lucrativo, visando satisfazer necessidades pessoais do utilizador ou
> dos seus próximos' (CDADC, Artº 75). Permanecem assim ilegais as situações
> onde haja fins lucrativos, mas a cópia para usufruto pessoal está
> inequivocamente autorizada.
>
> 2. Para compensar o eventual prejuízo causado pela salvaguarda deste
> direito, o compromisso que se encontrou entre os representantes dos autores
> e o público (através da figura do Estado) foi a imposição de uma taxa sobre
> os suportes físicos que sirvam para a reprodução de material cultural, que é
> paga desde 1998. Ou seja, o assunto está resolvido já há algum tempo: pelo
> direito que temos de aceder livremente a bens culturais (protegidos ou não
> por direitos de autor) usando os meios técnicos disponíveis (cassetes, CD's,
> sites ou redes /peer-to-peer/), pagamos uma taxa para compensar os autores.
>
> Normalmente, a discussão sobre o direito à cópia dispersa-se por pormenores
> sobre a legitimidade do direito de autor, a proporcionalidade dos lucros das
> indústrias, a justiça (ou não) de haver multidões que baixam músicas para os
> seus leitores MP3 e o efeito que este acesso universal na visibilidade dos
> artistas e das suas obras - e todas estas questões são fundamentais num
> debate alargado sobre a cultura nos nossos dias. No entanto, costuma ser
> argumentado que qualquer que seja a situação, estão a ser cometidas
> ilegalidades, e que “a lei é a lei”.
>
> E o que é, afinal, a lei? A lei diz-nos que a cópia, feita para nós, para
> nós ouvirmos ou vermos, corresponde ao direito fundamental de acesso livre à
> cultura. Mais: a lei foi também adaptada para responder às exigências dos
> artistas em relação à compensação que lhes seria devida por esse estatuto.
>
> À luz de tudo isto, tornam-se incompreensíveis as recentes palavras do
> governo acerca de medidas repressivas face à cópia privada. E torna-se
> insultuoso ver a indústria a defender o corte do acesso à internet ou o seu
> controlo quando a própria indústria propôs a taxa aos media graváveis como
> forma de ser compensada pela existência de um estatuto que permite a cópia
> privada.
>
> Da ordem do bizarro são as medidas de controlo do acesso a redes
> /peer-to-peer/. Como é possível saber que conteúdos estão a ser transferidos
> sem estar a violar o artº 194 do Código Penal Português, que pune
> especificamente a violação de correspondência e telecomunicações? Como seria
> possível distinguir entre um ficheiro copiado para uso privado, e outro para
> fins lucrativos? A única resposta que a indústria tem é a repressão
> indiscriminada, sem qualquer sinal de estar disposta a considerar os usos
> legítimos que a própria lei assegura. Usa redes /peer-to-peer/? É pirata,
> corte-se a ligação, e vai com sorte de não levar um processo.
>
> Aos 'piratas' é atribuída a culpa da perda de receitas da indústria. Não se
> cita qualquer estudo que demonstre essa perda; os jornais de referência
> repetem o 'diz-que-disse' dos representantes da indústria. Os piratas são
> responsáveis pelo declínio dos video-clubes, lê-se, sem qualquer referência
> ao aparecimento de 'TV boxes' vendidas pela Vodafone ou PT que tornam o
> aluguer de filmes muito mais prático e cómodo.
>
> Mas mesmo aceitando a tese da perda de lucros, surpreende que uma indústria
> tenha uma quebra de receitas quando trata o seu público-alvo desta forma?
> Passando 'sketches' a apelidar o público de criminoso antes de cada filme,
> introduzindo métodos invasivos de protecção à cópia que muitas vezes
> restringem os usos legítimos do produto comprado, e propondo mesmo a
> monitorização e controlo das ligações e transmissões privadas?
>
> Somos naturalmente sensíveis às preocupações dos artistas no que toca às
> insuficiências do sistema de remuneração, que peca por uma distribuição
> deficiente das verbas obtidas entre os artistas, entre outros defeitos. É
> necessária abertura para repensar o direito de autor e a compensação à luz
> das novas tecnologias. No entanto, o silêncio dos artistas perante a real
> ameaça a direitos fundamentais de cidadania do seu público merece ser
> mencionado.
>
> Pelo seu lado, a indústria sublinha que se está nas tintas para o público e
> defende que os litígios que a envolvem sejam resolvidos por uma entidade
> administrativa e não pelos tribunais (que 'tornam o processo demasiado
> lento', segundo o director-geral da AFP). Considerando que esta situação
> está prevista na lei, isto é muito grave.
>
> Mas a questão mais perturbadora é a seguinte: como é que uma ministra de um
> Estado de Direito pode ir nesta conversa, esquecendo (?) a existência de uma
> lei que protege a cópia privada?
>
>
>
> _______________________________________________
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>



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João Pedro Martins
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