[ARENA] Um país de patos bravos

João Martins joaomartins mac.com
Quarta-Feira, 6 de Fevereiro de 2008 - 01:50:59 WET


Publicado no meu blog, a (des)propósito:


      Os mamarrachos do Sócrates
      <http://joaomartins.entropiadesign.org/2008/02/06/os-mamarrachos-do-socrates/>

Desculpem lá, mas fiquei confuso acerca desta questão e não estava. Para 
mim, a desonestidade intelectual e a fraqueza de carácter do nosso PM 
eram dado adquirido, mas algumas das construções à volta do tema, que 
fui lendo aqui e ali, preocupam-me.
Importam-se que faça 2 ou 3 perguntas?

É que, das duas uma:

   1. ou se aceita que o Sócrates mente acerca destes processos e do seu
      envolvimento, pelo que a responsabilidade real do próprio a nível
      de projecto não existe, não lhe sendo atribuível o atentado à
      paisagem, mas apenas o acto corrupto da altura e a mentira torpe
      de agora;
   2. ou se presume que Sócrates é mesmo autor das obras em causa, sendo
      por isso honesto ao assumi-las agora, culpado de péssimo gosto e
      completa falta de habilidade para o projecto arquitectónico, mas
      isento de culpa no que ao acto corrupto diz respeito e no
      exercício de funções que legalmente, ainda que mal, lhe eram
      permitidas.

Pelo que o *Público* 
<http://static.publico.clix.pt/docs/politica/projectossocrates/index.html> 
divulga, aparentemente, apenas um dos proprietários reconhece José 
Sócrates como autor do projecto, pelo que é mesmo provável que ele tenha 
prevaricado das duas formas:

   1. como técnico corrupto, capaz de vender a assinatura e, com ela,
      aval técnico de obras que desconhecia, em troca de favores
      semelhantes (presume-se) e outros de carácter político-partidário;
   2. e como técnico incompetente no exercício de funções que lhe eram
      legalmente permitidas e que ele, filho de Arquitecto, se sentia
      capaz de exercer, ainda que o resultado seja desastroso.

Mas parece-me confuso tentar juntar as duas coisas numa só, 
classificando de gravosa ora as falhas éticas e deontológicas, ora as 
falhas técnicas e estéticas, numa aparente saraivada que atinge o PM 
justamente— “só se perdem as que caem ao chão”, como se costuma dizer—, 
mas que é pouco “cirúrgica”.
De facto, num caso e noutro o nosso PM não é mais do que o triste 
reflexo do país e do funcionamento de classes e corporações do mais 
fraco que há. E pensar que, dele, surgiriam manifestações de fra(n)queza 
é mais do que ingénuo.
A ética de Sócrates é como a de Pina Moura e a de tantos outros 
portugueses mais ou menos ilustres. É a lei. E como a lei nunca é muito 
bem escrita (porque haviam os legisladores de ser mais rigorosos ou 
competentes que a maioria dos portugueses?), há sempre um ou outro 
artifício à mão, para que a lei se adapte à “ética” que der jeito ao 
próprio e aos amigos.

Isso é mais grave se estivermos a falar do PM do que se estivermos a 
falar dum funcionário público ou dum assalariado do sector privado? 
Parece-me que sim.

Já no caso da (falta de) qualidade da obra em si, tão bem ilustrada pelo 
*Público* 
<http://static.publico.clix.pt/docs/politica/projectossocrates/index.html>, 
podemos sempre pensar que a paisagem portuguesa está mais segura com 
José Sócrates longe dos estiradores mas, infelizmente, não podemos 
sequer dizer que é um caso único, isolado ou sequer merecedor de 
destaque pela negativa no conjunto das práticas construtivas do nosso 
país. Mamarrachos como os que Sócrates assinou— e muitos bem piores— 
estão espalhados de norte a sul do país, saídos da mão de engenheiros 
técnicos, engenheiros civis, desenhadores, mestres da construção civil, 
arquitectos, jeitosos e clientes de todas as classes sociais e formações 
que dispensaram sequer a presença de projectistas.

O sector da construção civil e a forma como se organiza, nas diferentes 
relações contaminadas entre os vários agentes, é um dos males que aflige 
o país há mais tempo e de forma mais continuada, por razões tão 
diversificadas como são as que explicam o nosso atraso generalizado e, 
num caso e noutro, a “raíz de todo o mal” pode ser encontrada nas falhas 
de formação generalizadas. São elas também que permitem o relaxamento 
dos padrões éticos e morais. São elas que explicam de forma mais 
completa os nosso baixos padrões estéticos, a nossa relação 
descomprometida com o património construído e natural, o nosso desprezo 
pela paisagem e pelas manifestações do belo… E são elas que explicam a 
difícil relação entre os dois extremos do sector da construção: 
arquitectos, engenheiros e técnicos superiores dum lado e mestres, 
encarregados e trolhas doutro. E, no meio, um deserto de incompreensão, 
falhas de comunicação, desrespeito e intolerância mútuas, arrogante 
ignorância distribuída equitativamente por todos, com um resultado 
desastroso: uma tensão latente constante, uma absoluta falta de 
coordenação de esforços e ilhas de autismo insuportáveis.

Não é por isso de estranhar que muitas vezes se procure a solução no 
meio do sistema, e é essa a principal razão pela qual o infame 73/73 
demora a morrer.

E qualquer tentativa de colocar esta questão de forma corporativa, 
defendendo que a definição e protecção absoluta de territórios 
disciplinares na lei é a solução para os males da nossa paisagem é uma 
ilusão perigosa. Eu, pessoalmente, só acredito que os Arquitectos são 
parte da solução na mesma medida que acredito que são parte do problema. 
Não será legislando que se convencerá os portugueses do papel social do 
Arquitecto, muito menos das vantagens de contar com as suas competências 
no momento de fazer/remodelar/expandir a sua casinha. E, nesse sentido, 
duvido se se ganha alguma coisa em usar o exemplo de Sócrates, o mau 
engenheiro técnico, como argumento a favor dos Arquitectos. É bem 
possível que se eleja um par de Arquitectos-Políticos para uma outra 
Galeria de Mamarrachos, tão ou mais pungente que a de Sócrates. Ou não?



João Martins
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