[ARENA] ainda o cão...
miguel leal
ml virose.pt
Quinta-Feira, 3 de Abril de 2008 - 13:21:13 WEST
Não há nada como um cão para acordar uma lista!
Passada a fase mais inicial das reacções a quente, parece-me que a
discussão tomou entretanto um caminho diferente. Gostei da água
deitada na fervura pelo João (e pelo Fernando), mas de qualquer modo
interessa-me pouco o facto em si, até porque não temos como aferir
dos seus detalhes e do seu contexto no meio de tanto ruído —
experimentem googlar o tema, como amostra... Neste momento, os seus
efeitos são um motivo bem mais interessante. Também não importa muito
tentar distinguir aquilo que é realidade e aquilo que é ficção. Os
efeitos de uma e de outra, para a discussão, não são muito diferentes
(já falando do cão, fazem toda a diferença).
Longe das emoções e da desinformação dos blogs, já pouco se discute o
cão e o artista. Discute-se sim no campo da bioética e da bioestética
(se é que lhe podemos chamar assim).
Curioso com este aumento do tráfego na [ARENA], fui consultar os
arquivos da lista ( e a minha memória, já que parte dos arquivos se
perdeu) e verifiquei que quase todos os picos de tráfego estiveram
ligados a questões que cruzam a bioética, a biopolítica e a política
em sentido mais estrito. O último grande pico de tráfego esteve
ligado ao referendo do aborto (na altura alguns subscritores
indignaram-se com a contaminação da lista com assuntos "não
artísticos", o que gerou novo thread) e, antes disso, lembro-me de
uma discussão sobre feminismo, arte e política, por exemplo. E este é
um dado mais para a discussão...
Quanto à 'barriga de um arquitecto', tenho que dizer que só faltava
culparem o Duchamp de mais esta...:-)
um abraço
ml
On 3Apr2008, at 12:37 PM, João Martins wrote:
> Mais aproximado da realidade:
>
> http://abarrigadeumarquitecto.blogspot.com/2007/10/arte-pode-
> matar.html
>
> João Martins escreveu:
>> susana mendes silva escreveu:
>>
>>> obrigada fernando, mas a história da galeria parece-me bastante
>>> romantizada...
>>>
>> Sobre esta atitude já disse o que tinha a dizer.
>>
>>> a construção "conceptual" da obra parece-me também fraca, bem como
>>> esse simbolismo de substituição:
>>> - um cão de rua não é um rottweiler. não representa o mesmo: o da
>>> rua
>>> é um "pobre coitado".
>>> - chamar ao cão faminto o nome do artista morto também é algo que em
>>> nada torna a obra mais forte (antes pelo contrário).
>>>
>> Não me interessaria entrar em detalhe nesta parte da discussão, mas,
>> porque o rigor não tem que ser alheio à análise e interpretação,
>> pensemos assim:
>>
>> Natividad Garcia não era um artista. Segundo o que li, há uns
>> meses, era
>> uma mulher pobre, da Nicarágua, que foi morta por dois rottweillers
>> perante indiferença generalizada.
>> O cão que Habucuc expõe, representa, assim, não uma vingança
>> contra os
>> rottweillers, mas uma representação da situação, em que uma figura
>> frágil, o cão famélico, representa a fragilidade de Natividad e se
>> permite ao público da instalação o confronto com a sua própria
>> indiferença. Trata-se duma mudança de contexto: uma mulher pobre é
>> substituída por um cão famélico, a rua ou fábrica em que Natividad
>> morreu, pela sala da galeria.
>> Podemos achar essa construção mais ou menos interessante. Podemos
>> sentir
>> mais ou menos repulsa pela exploração da imagem do cão famélico,
>> um ser
>> vivo em sofrimento.
>> Podemos muita coisa.
>> Mas sabemos muito pouco acerca de tudo isto. Demasiado pouco para
>> dizer
>> tantas coisas, parece-me.
>> Eu tenho até dificuldade em imaginar como será a vida na
>> Nicarágua, pelo
>> que me é complicado compreender a relevância de determinado tipo de
>> intervenções.
>>
>> Mas concedo que pessoas com maior experiência de vida e
>> mundividência se
>> sintam confortáveis a perorar acerca de tudo isto, como se lhes
>> fosse um
>> fenómeno próximo.
>>
>>> talvez algum artista queira fazer uma obra com o habacuc.
>>> apanhá-lo na rua e depois logo se via que construção "conceptual"
>>> seria interessante.
>>> eu proponho, mesmo, que a dita galeria reencenasse algumas partes do
>>> "chien andalu" no habacuc!
>>>
>> É interessante notar que um dos objectivos do artista, presumo, tenha
>> sido precisamente confrontar as pessoas com a distorção crescente
>> de uma
>> escala de valores em que, de repente, possa parecer normal,
>> comparar o
>> valor duma vida humana e do sofrimento humano, como o de Natividad
>> Garcia, ao valor da vida e do sofrimento dum cão.
>> Não é uma conversa que me interesse por aí além, mas tenho
>> dificuldade
>> em movimentar-me em contextos em que a atenção que devotamos aos
>> animais
>> de estimação ultrapassa significativamente a atenção que devotamos ao
>> vizinho ou concidadão.
>>
>> Mas se houvesse um mínimo de preocupação com a realidade em tudo
>> isto já
>> era muito bom.
>>
>> João Martins
>> http://joaomartins.entropiadesign.org
>>
>>
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